A senhora entrou no autocarro com uma mochila do Homem-Aranha presa ao ombro por uma só alça. Parecia uma pessoa descontraída. Até que começou a falar: “Quando chegarmos a casa vais-me mostrar o caderno de matemática com as aulas todas”, disse para o dono da mochila, um rapaz dos seus sete ou oito anos. “Mas eu não passei as aulas todas, só algumas…”, respondeu o filho a medo. “Tu estiveste de férias, Tomás!”, continuou a mãe num tom exasperado. “Tens de ser mais responsável, não posso andar sempre atrás de ti”. Fiquei com a impressão de que se as aulas eram uma chatice para o rapazinho, os raspanetes da mãe deviam ser um verdadeiro tormento.
“Eu e a mamã pagamos muito dinheiro pela tua escola. Tens de te aplicar, para depois entrares numa boa universidade”, dizia um conhecido apresentador para a filha de cinco anos
Este pequeno diálogo fez-me lembrar outra conversa, entre um conhecido apresentador de TV e a filha, que ouvi furtivamente num restaurante. “Eu e a mamã pagamos muito dinheiro pela tua escola”, dizia ele. “Tens de te aplicar, para teres boas notas e depois entrares para uma boa universidade”.
O leitor pode não acreditar, mas a menina em questão andaria pelos cinco ou seis anos! 'Que culpa tem a desgraçada da miúda que os pais gastem rios de dinheiro no colégio?', pensei na altura. Quanto ao raciocínio do pai, o apresentador de TV, é fácil de completar: a filha tinha de entrar para uma boa universidade para conseguir um bom emprego, para ganhar muito dinheiro, para poder pôr os filhos a estudar numa boa escola... e assim sucessivamente. Uma pescadinha de rabo na boca.
“Obrigamos a criança a transportar o fardo dos seus deveres de homem de amanhã sem lhe conceder os direitos de homem de hoje”, resumiu o polaco Janusz Korczak, grande pedagogo, amigo das crianças e vítima do Holocausto.
A obsessão com as notas dos petizes, ainda que pouco saudável, é compreensível. Todos querem que os seus filhos sejam inteligentes, responsáveis e bem-sucedidos - ou, pelo menos, que não fiquem atrás dos filhos dos outros. Além disso, muitos adultos têm a ideia de que, se eles se esfalfam a trabalhar, as crianças têm a obrigação de corresponder a esse esforço dando o litro na escola. Ou seja, os pais encaram a escola como o 'emprego' dos filhos.
Será preciso dizer que essa perspectiva me parece profundamente errada? A escola é o lugar de formação das crianças, onde cada um deve procurar a sua vocação, descobrir aquilo de que gosta e que o faz feliz, não uma competição em que todos têm de trazer bons resultados, e muito menos o 'emprego' dos miúdos.
O inventor Thomas Edison era um péssimo aluno. O milionário Richard Branson deixou a escola aos 16 anos. Alberto João Jardim concluiu Direito com média 11 valores, e só ao fim de 13 anos... Haveria nas respectivas turmas muito melhores alunos, que ainda assim não alcançaram um décimo do que alcançaram estas figuras. Os pais angustiados podem respirar de alívio (e, já agora, parar de atormentar os seus filhos): ter más notas não é sinónimo de um futuro hipotecado, e muito menos o fim do mundo.