Passar demasiado tempo no jardim-de-infância pode deixar as crianças deprimidas, provocar sentimentos de abandono e baixa auto-estima. Para os pedopsiquiatras, seis horas diárias são o limite, mas muitas chegam a ficar o dobro.
Ao final do dia, os sintomas de muitas horas no jardim-de-infância revelam-se. "Estão cansados de nos ver, ficam irrequietos, começam a choramingar e a agredir-se uns aos outros", contou à Lusa Marisa Duarte, directora de uma instituição onde a maioria das crianças passa dez horas.
Para o pedopsiquiatra Eduardo Sá, os casos de "revolta" são os mais saudáveis. "Já as crianças que toleram tudo são, normalmente, as que já se cansaram de lutar: estão deprimidas".
Defendendo como limite razoável seis horas diárias, lembra que "dramaticamente, há muitas crianças que passam 12 horas numa creche", onde "passam tempo de mais num berço, a olhar para um móbil que se movimenta num efeito hipnótico".
Se a maioria dos estabelecimentos portugueses funciona das oito e meia da manhã às sete da tarde, há "uma percentagem significativa" que funciona mais de onze horas. Segundo o Instituto de Segurança Social, são 488 com este complemento de horário.
Mas também há abertos até à meia-noite ou toda a madrugada, devido aos horários pouco "tradicionais" dos pais com profissões como polícias, médicos ou funcionários de aeroportos e de centros comerciais.
Nem sempre a permanência se deve apenas a impedimentos laborais. "Se estivéssemos abertos até à meia-noite, teríamos crianças até à meia-noite", Marisa Duarte. Há pais que aproveitam para "ir às compras ou ir tomar um cafezinho com os amigos".
Em Faro, há um jardim-de-infância aberto até às 24 horas. "O ideal seria estarem aqui entre cinco e seis horas, para conviverem com outras crianças e poderem contrabalançar com a família. Mas há muitos pais que, para pagar as contas, têm de ter dois empregos", diz a directora, Cátia Girão.
O psicoterapeuta Vasco Catarino Soares lembra que "a criança que chega a casa a dormir e sai no dia seguinte de manhã só viu os pais durante o pequeno-almoço: não tem uma relação significativa com eles".
"Passar muito tempo fora do contacto com os pais leva a sentimentos de abandono e baixa auto-estima", acrescenta. Se a situação se prolonga ao longo dos anos "é expectável que vá desenvolvendo a noção de ser abandonado e objecto do desinteresse dos outros".
"Claro que estamos a falar de comportamentos que se vão desenvolvendo ao longo do tempo. Não será o caso de a criança ficar uma ou duas vezes mais tempo na creche que vai levar a este tipo de reacções", alerta.
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